terça-feira, 29 de março de 2011

Brincadeira de criança... e de adulto

Quando eu era pequeno, lá pelos 13 anos [velho é a cueca furada do seu pai], morava num lugar próximo a uma gruta, conhecida por todos os meninos da redondeza como “a caverna”, no meio de morros, mata e árvores de abacate e jabuticaba. Assustadora e misteriosa, ela guardava uma lenda que nos instigava. Havia um mito de que no fim da caverna, bicicletas, videogames e brinquedos em geral estariam a espera do grande valente que superasse o percurso fortemente protegido por aranhas e suas teias [isso, só de início, já que dragões e outros ferozes animais famintos e mal-intencionados estariam prontos para impedir a passagem de quem se atrevesse a avançar gruta a dentro]. A distância? Ninguém sabia. Só era possível ver mais ou menos dois metros [deve ser isso] até que a curva à direta trazia o breu que iniciava a nossa curiosidade... e medo.

Qual menino enfrentaria as aranhas-soldados e se lançaria a uma jornada jamais superada, pelo menos registro algum na história da humanidade provava o contrário. Logo na fachada, na parte superior, a ação do tempo e algumas plantas tentavam esconder um número. Se minha memória não me engana, era “1908”, ano extremamente distante para uma molecada de menos de 15 anos, o que aumentava ainda mais o medo de encarar o desafio.

Coragem não faltava para assustar os pedestres na rua com uma pequena corda e uma Espada de São Jorge, que se passava por cobra diante dos distraídos. Também não receávamos quando tocávamos as campaninhas da vizinhança e saíamos correndo. “A caverna”, porém, nos exigia muito mais do que ousadia e simples coragem.

Muito tempo passou, até que um menino grande, brigão e desvirtuado da escola ficou sabendo da gruta. A notícia logo se espalhou pelas redondezas. “Quer dizer que vão explorar a caverna?” “Quem?” “E vão retirar todos os brinquedos?” “Quando” Chegou o dia. Após uma manhã de aula, o menino-homem-brutalhão foi ao “sítio” desbravar as terras inexploradas e se consagrar o grande herói da humanidade. Inteligentemente, levou o isqueiro [com o qual acendia os próprios cigarros] e algumas folhas de jornal [provavelmente comprado na hora] para espantar os exércitos de aranhas e iniciar o longo e duro percurso até a recompensa final, sem previsão de retorno.

O mais difícil foi tomar coragem para entrar, mas depois de alguns minutos, ele entrou. Afastou os aracnídeos com a fumaça e em poucos segundos chegou à curva, onde, acreditávamos, ninguém havia chegado antes, desde o fenômeno do Bi Bang, há 13 bilhões de anos. “E aí, o que tem? O que você vê?”, questionávamos ansiosos. “Nada, não há nada”, disse ele. “Nada? Como nada?” “E os brinquedos? Qual a marca da bicicleta?” “Quais fitas acompanham o vídeo game? Há Fifa Soccer” “Qual é o vídeo game? Tem manete de seis botões” “Nada, gente, só tem água aqui e uma parede. Não há mais para onde ir”.

Silêncio. Profundo. Um profuuuuundo silêncio assolou os cerca de cinco ou seis meninos que ansiosamente aguardam notícias capazes de pôr fim a um dos grandes mistérios do Universo. Sobre as pirâmides do Egito, por exemplo, haviam teorias que esclareciam, ainda que parcialmente, os motivos das construções [uma delas é a de que extraterrestres fossem os autores das arquiteturas]. Sobre “a caverna”, porém, nenhuma publicação comentava a respeito. Nada. Um de nós sozinho tinha mais brinquedos do que na outra ponta da caverna.

O estranho sentimento de todos quando retornávamos para casa era parecido como o de um jovem brasileiro, cuja entrevista assisti há algum tempo num programa de televisão. Ele contava a experiência de retornar da Europa, onde foi em busca dos “brinquedos prometidos”. Desde garoto, ele ouvia comentários de que o Velho Continente reunia perfeitas condições para o progresso e para o conforto financeiro, motivo pelo qual diversos latino-americanos deixavam o país de origem. Com esta expectativa, assumiu fôlego para enfrentar aranhas-soldados e concluir que no próprio Brasil poderia conquistar brinquedos, conforme nos indica o crescimento do PIB em 2010, atingindo 7.5%.

No caminho do jovem brasileiro, tanto as aranhas foram verdadeiras, quanto uma poça de água após a curva, depois da qual nem bicicleta nem videogame se faziam presentes. O rapaz disse ter lidado com “problemas sociais tipicamente brasileiros”. Retornou otimista à terra-pátria convencido de que, mais do que lá, poderia construir um “parque de diversões”, inclusive com muita água, recurso abundante em nosso solo.

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